segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Entrevista
O Drama de um pai e filho,que lutam juntos para sair das drogas.
" Eu era empresário bem-sucedido na cidade...,Comecei como a maioria começa, com a bebida, depois com um cigarro de maconha,...Aí eu conheci o crack. Quando eu conheci o crack foi o fim de tudo...".
Essa entrevista foi realizada,na instituição MATA que busca trabalhar a problemática das drogas e do álcool, através de tratamento com internação.
A entrevista conta o drama de um ex-empresário,que começou com uso de drogas licitas,até chegar ao uso do crack.Seu filho de 17 anos de idade,também é usuário de drogas,ambos internados nessa mesma clínica.
Entrevista:
Com Georlando de 40 anos anos de idade(paciente)
Entrevistador: Georlando, o que te trouxe até aqui? Conta um pouco a sua história.
Georlando: Eu vim por causa do desejo de parar de usar droga. Eu tenho 17 anos de adicção, eu estava no fundo do poço, perdi tudo. As únicas coisas que eu não perdi foram minha esposa, minha casa e meu filho... que está internado aqui comigo. Isso é o mais doído, ele ter vindo comigo, com apenas 17 anos.
Comecei como a maioria começa, com a bebida, depois com um cigarro de maconha. Aí veio a cocaína, fiquei muitos anos usando cocaína, até perder a cartilagem do nariz, até o médico dizer que não podia mais usar cocaína, porque não teria mais como colocar platina. Aí eu conheci o crack. Quando eu conheci o crack foi o fim de tudo, foi o fim de todo sucesso que tive na minha vida. Perdi quase todos meus dentes. Mas o principal foi a perda do meu respeito, do meu caráter, da minha honra e minha honestidade. Isso aí foi o pior, é o que dói mais. Quando eu fui contar pro meu filho, ele me falou que já tinha experimentado. Pra mim isso foi o motivo fundamental de estar junto com ele, me esconder por trás dele, um manipulando o outro, chegou a um ponto que não havia mais para onde recorrer. Eu era empresário bem-sucedido na cidade, reconhecido por todos e respeitado por todos, mas eu me escondia por atrás de uma gravata, por trás do dinheiro. Quando, então, caiu a casa e eu não tinha mais como me esconder da minha família nem de ninguém, eu vim parar aqui, procurei ajuda, né. Eu estou aqui pra reformular essa vida aí.
Entrevistador: Você se sente culpado por seu filho estar nessa vida também?

Georlando: Não. Quer dizer, me sinto culpado em termos. Se for para se culpar, não; porque ele já estava usando. Pelo contrário, eu achei foi bom quando ele falou pra mim que estava na adicção, porque nós dois não tínhamos mais nada o que esconder...
Entrevistador: ...ele sabia que você era usuário?
Georlando: Não, não sabia. Eu que cheguei para ele e perguntei se ele soubesse que o pai dele era dependente químico, o que ele achava, ele disse “não dá nada, não vai deixar de ser meu pai”. Eu tava então com 50 gramas de cocaína ‘da boa’, botei em cima da mesa, mostrei pra ele e disse, “não vou te oferecer, mas se você quiser... – é lógico que eu estava oferecendo! Aí, quando saímos da cocaína, fomos usar o crack. Daí ficamos uns quatro cinco anos no crack, ainda. Nesses quatro, cinco anos, o mais difícil era o respeito, o mais doído. Em compensação, nunca roubei nada de ninguém, a não ser de mim mesmo. Até quando meu terapeuta falou que eu era ladrão e deu vontade de dar um murro na cara dele, porque ele me chamou de ladrão, aí ele me provou que eu era ladrão: roubei da minha família, deixei faltar as coisas dentro de casa, e hoje eu sei o que é essa parada aí, o que é ser ladrão. Roubei a minha liberdade, em primeiro lugar, depois minha família – que é quem mais sofre. O mais sofrido sou eu, mas não deixo de levar eles junto.
Entrevistador: E o que mudou depois que você entrou aqui na instituição?
Georlando: Mudou meu jeito de pensar, de agir, de falar, de conversar: ter respeito, ter honestidade. Aprendi a conhecer o meu problema, a me reconhecer O fator dessa doença da adição, até então eu não conhecia, né? A reformular a minha vida, uma nova maneira de viver. Aqui eu estou começando minha vida, mudando em primeiro lugar os hábitos. É tudo de bom pra mim.
Entrevistador: Você se acha curado, liberto?
Georlando: Não estou curado porque [a adição] não tem cura. Essa aí eu vou ter de carregar, mas vou ter ferramentas pra lidar com ela, ferramentas para falar o “não”, para evitar hábitos, lugares e pessoas. Reconhecer que eu sou impotente perante ela, reconhecer que eu ‘não dou conta dela’, reconhecer que se eu der a primeira ‘paulada’ vai tudo embora. Então hoje estou ciente disso aí, que eu não posso nem cheirar nem ver [a droga].
Entrevistador: Aqui, por enquanto você não tem contato direto com a sociedade, mas você já se imaginou quando voltar pra sociedade...
Georlando: ...eu já tive, já saí, na saída terapêutica*, inclusive tive provações [na primeira saída terapêutica] - o traficante esteve no meu escritório, eu estava lá, eu realmente ‘balancei’; assim, meu coração tremeu, e como eles falam aqui: passa um período de fraqueza, passa um tempo e você fica com medo e, como eles ensinam a como lidar com isso aí, eu pus em prática o que eles me ensinaram. Na segunda saída (inclusive dessa vez o terapeuta foi para minha casa, de visita), e o traficante passou na porta de casa, abriu a mão e me mostrou três papelotes e eu não senti nada. Não é porque eu não senti nada que não vou usar. Se eu permitir isso acontecer de novo, eu tenho uma chance de voltar. Porque não sou eu que falo, é a experiência dos companheiros que têm mais tempo ‘limpos’ do uso da substância. Então eu não quero testar, porque eu sei evitar uma ou duas vezes, na terceira eu não sei como é que faz. Eu não senti nada não sei por quê? Talvez porque estivesse irmanado, estava com meu filho, estava com meu companheiro terapeuta, mas mesmo assim...
Não é que eu esteja livre, mas sei como evitar. Em primeiro lugar é não me esquecer de onde eu vim – fundo do poço, realmente – e eu tenho que pôr isso em prática, tenho que ter o medo, o medo da droga me faz bem – antigamente eu não tinha.
Entrevistador: O que te mantém motivado para mudar de vida?
Georlando: O desejo de ficar limpo, o desejo de reconstituir minha vida, [fazer] as reparações [com as pessoas]; o desejo de voltar ao mercado. Um desejo realmente dessa reformulação. Porque eu fazia as coisas ‘doidão’, e descobri que eu posso fazer as mesmas coisas sem o uso de substâncias, entendeu? E o mais importante: sabendo o que eu estou fazendo, sem crítica, nem nada.
Entrevistador: Você acha que estando internado com seu filho, quando vocês saírem, um pode dar força para o outro, ou os dois podem cair juntos? Como você acha que vai ser o relacionamento de vocês?
Georlando: Eu, no começo [do tratamento] pensei que se um caísse o outro cairia, porque nós já fizemos uma experiência, eu fiquei um tempo ‘limpo’ e ele continuou. Como nós estávamos no mesmo lugar, eu terminei recaindo. Mas hoje não, hoje eu vejo o que quero pra mim. Eu não tinha um filho, eu tinha um amigo; hoje eu tenho um filho. Eu creio que se ele recair é problema dele. Vou estar ao lado dele, não pra usar, mas pra se ele pedir socorro eu ajudá-lo, acompanhá-lo ao NA. Assim eu creio. Não posso falar da recuperação dele, mas da minha eu posso. Só por hoje, pode acontecer o que for e eu não vou usar e nem saio da casa. E hoje eu tive uma provação, hoje meu pai faleceu e então eu tenho mil e um motivos pra sair da casa, porque pelas normas, em caso de doença... se eu quisesse ir para casa, ficar com minha esposa, se eu quisesse ir pra Fortaleza e ficar com meu pai - que está sendo velado - eu poderia, né? E hoje eu agradeci a Deus por estar aqui, e não estar lá fora, na hora em que ele faleceu, porque eu não sei o que ia ser...
Entrevistador: ...e seu pai sabia que você usava drogas?
Georlando: Não. Nem meu pai, nem minha mãe. Ele morreu sem saber. Nossa família é de lá [Fortaleza] e meus irmãos não deixam eles saberem.
Entrevistador: Quando você voltar, ‘limpo’, você pretende contar pra sua mãe, ou prefere que fique ‘abafado’?
Georlando: Não... meus irmãos, todos, sabem. Só meu pai e minha mãe não sabem. Por mim, eu contaria, mas como a família me pediu para que minha mãe ficasse sem saber - mesmo porque seria uma decepção muito grande pra ela - não pretendo contar.
Entrevistador: E como você descobriu a instituição?
Georlando: Na verdade, não foi essa instituição que eu escolhi. A minha irmã mora aqui em Brasília e ela levou um rapaz lá [em Trindade-GO, pra nos pegar e levar a uma instituição evangélica de um ano [de tratamento]. Só que eu não quis ir, eu estava ainda no auge da adicção. Daí uns três ou quatro meses, eu vi que não dava conta e liguei pra ela e pedi socorro. Então fui pro César (vice-presidente da MATA), sem saber que viria para cá. Eles iam separar-nos, eu e o Mateus, um ia para um canto e o outro para outro, e eu disse não, que não iria dar certo nos separar. O terapeuta disse então que podia colocar pai e filho juntos e que não ‘daria nada’. Ele arriscou, né? E até hoje eu creio que não decepcionei, nem eu nem meu filho. Ele tem os problemas dele e eu tenho os meus, mas estamos juntos. É difícil pra um pai ver um filho discutir, eu não tenho muito saco, porque tem muitas discussões, aqui só tem maluco, né? Eu deixo os problemas dele sempre pros terapeutas resolverem. Dói, mas é meu tratamento. Quando eles falaram que o tratamento é individual, eu [descobri que] não posso cuidar do tratamento dele, se não eu deixaria ele (...), aqui dentro é cada um por si, na recuperação, eu acho que [a MATA] tem uma orientação boa. Quando a gente entrou aqui, eu comecei a lavar as roupas dele, ia com ele na enxada - que é a laborterapia -, coisas simples, e eu disse: “deixa ele no meu lugar e eu vou”. No começo era assim. Depois eu fui enxergando, foram me orientando e estamos aí, só por hoje.
Entrevistador: Se você tivesse que deixar uma mensagem pra todas as pessoas que têm problema com drogas, o que você diria?
Georlando: Procure socorro o mais rápido possível, que funciona E a irmandade do NA funciona mesmo. Que não fique no desespero, porque tem solução, nos ensinam a viver de outra maneira. Quanto mais demorar, mais difícil vai ser pra sair. Quanto mais rápido vier... porque aqui nós falamos palavras de reconforto, amor, paz, respeito - o que é o mais importante. Eu queria dizer era isso: procurar ajuda o mais rápido possível, não deixar a coisa se agravar até ser preso ou morto. Ou é cadeia, ou é caixão ou é (?). É responsabilidade, que se (?)
Entrevistador: Aqui dentro você se considera uma pessoa feliz?
Georlando: No momento, sim. Sou muito feliz. Porque eu pensava que era feliz, da minha maneira, Eu tinha minha esposa, tinha meu emprego, tinha meu carro, tinha as pessoas em minha volta, mas isso era simplesmente uma máscara. Então eu não era feliz, porque estava enganando todo mundo, não estava nem me enganando, que eu não posso me enganar. Na realidade, ou você é ou você cai. E eu sou realmente dependente químico. Então eu me considero uma pessoa feliz, tão feliz que, mesmo com o fato que aconteceu hoje, o falecimento do meu pai, estou feliz por estar aqui. Porque se estivesse lá fora, eu não sei o que poderia acontecer. Aqui dentro eu sei: é minha recuperação.

Um comentário:

  1. Olá,
    Estou passando por aqui para visitar o material de vocês. Esta é a etapa final da atividade com o blog sob minha orientação.
    De vez em quando virei visitá-los rsss...

    Informo que o processo de avaliação consta das seguintes etapas:

    Leitura dos relatórios individuais
    Impressão de todos os textos dos blogs
    Leitura dos textos publicados nos blogs
    Coloco comentário geral no último texto publicado.

    Após o recebimento deste comentário geral. As etapas de avaliação foram encerradas.

    Desejo sucesso para vocês e AGRADEÇO a participação de todos vocês na elaboração das atividades propostas durante nosso curso.

    abraços

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