terça-feira, 24 de novembro de 2009

Uso de crack aumenta entre classe média e crianças

Embalados pela fumaça do crack, que invadiu as favelas do Rio, traficantes e consumidores estão deixando um rastro de tragédias sem precedentes. Especialistas alertam que jovens e crianças estão morrendo cada vez mais por causa dos efeitos devastadores da droga, em confrontos com policiais ou executados a mando de líderes do tráfico, que perdem o controle da distribuição e amargam prejuízos milionários. No Rio, o consumo, antes restrito a jovens de baixa renda, já atinge garotos de classe média.
Preocupados, membros do Conselho Estadual Antidrogas (Cead) iniciaram, pela primeira vez, um estudo dos impactos que o crack, fumado em cachimbos ou injetado, está provocando. "Estatísticas disponíveis não traduzem a realidade. Precisamos de dados concretos para ações preventivas imediatas", afirma Jorge Alves, 45 anos, diretor da Associação Carioca de Redutores de Danos, que integra o conselho.

De acordo com Alves, agentes da ACRD, ONG voltada para a prevenção de doenças contagiosas como aids e hepatite, já convivem com o "caos instalado pelo crack". "Visitamos cerca de 50 usuários, dos quais 10% são crianças entre 6 e 8 anos e 80%, jovens da classe média. Estão morrendo", lamenta, lembrando que metade dos dependentes perde a vida em curto prazo e 70% não querem ou não conseguem se livrar do vício.

A escalada da violência é confirmada por agentes da 25ª DP (Engenho Novo). Na Favela do Jacarezinho, onde 30% das bocas-de-fumo vendem a droga, mais de 2 mil pedras do entorpecente foram apreendidas nos últimos seis meses - 600% a mais em comparação com 2006. Este ano, pelo menos 10 jovens teriam sido executados na região por causa de dívidas com traficantes.

"São jovens de 15 a 20 anos, que nunca tiveram passagem pela polícia", diz o chefe de Investigações da 25ª DP, João Luiz Martins.

Na 17ª DP (São Cristóvão), policiais apreenderam recentemente, também no Jacarezinho, junto com 50 pedras de crack, um cachimbo de metal feito por torneiro mecânico. "O mimo, encomendado por um viciado da classe média para 'tirar onda', foi abandonado numa viela da favela, durante uma incursão", explica o chefe de operações da delegacia, inspetor Marco Antônio Carvalho. Das 81 prisões efetuadas por policiais da 25ª DP desde janeiro, 80% tinham ligação com o tráfico.

O endividamento do tráfico por causa do crack também é uma realidade, segundo a polícia, principalmente onde a droga é vendida em larga escala, como nas favelas do Jacarezinho, Mangueira e Manguinhos. Mesmo sendo uma droga três vezes mais barata que a cocaína, a maior parte dos usuários acaba "pendurando" pequenas dívidas, que, somadas, viram uma bola de neve. Especula-se que só a quadrilha da Mangueira estaria com um rombo de cerca de R$ 1 milhão. "Os usuários ficam loucos ou morrem executados ou por comprometimento da saúde. E morto não paga dívida", comenta Carvalho.

O uso de crianças por traficantes também assusta. "Muitas acabam se viciando. Sem dinheiro para sustentar a dependência, vão para as ruas assaltar e acabam morrendo, seja em confrontos com a polícia ou a mando de traficantes rivais", comenta o delegado da 22ª Delegacia de Polícia (Penha), Alcides Iantorno.

Na semana passada, um menino de 13 anos foi apreendido por policiais do 22º BPM (Maré) na Favela Mandela 3, em Manguinhos, na Zona Norte, com uma pedra de crack de 1,1 kg, três bolas de haxixe e 35 frascos de cheirinho-da-loló na mochila. "Nos surpreendemos ao abordar o franzino garoto numa boca-de-fumo", contou o cabo Cláudio Santos, que chegou a trocar tiros com bandidos que davam cobertura ao menor.

Parada cardíaca
O crack, cuja pedra é vendida, em média, a R$ 5, é a mistura de cocaína e bicarbonato de sódio ou amônia, resultando em grãos. A palavra crack surgiu do som produzido pela droga aquecida. O crack começou a se expandir na década de 80. De acordo com especialistas, bastam algumas pedras para que o usuário se vicie.

"Sua rápida ação sobre o sistema nervoso central debilita o organismo em poucos meses", alerta Maria Thereza Aquino, diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad) da Uerj. Dos cerca de 100 usuários em tratamento no Nepad, 20% são viciados em crack. Há seis anos, era apenas um caso.

A droga é poderosa e com alto poder de causar dependência. Ao ser acendido o cachimbo, em poucos segundos o usuário sente a 'onda' - sensação de poder, euforia e empolgação -, que dura em torno de cinco minutos. Depois, vem a depressão profunda. A aceleração dos batimentos do coração pode provocar parada cardíaca. O uso do crack também causa aumento da pressão arterial, dilatação das pupilas, suor intenso e tremores.

Ponte aérea do mal
Tipicamente paulista, o crack começou a chegar em maior escala ao Rio por diversos fatores. Um deles é a revitalização iniciada pela Prefeitura de São Paulo no bairro Santa Efigênia, na região conhecida como Cracolândia. Com a redução de consumidores na localidade, os laboratórios do tráfico começaram a enviar mais droga para o Rio. A união das facções criminosas Comando Vermelho (CV), do Rio, e Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, também facilitou a invasão de crack nas favelas cariocas. O CV autorizou o PCC a explorar pontos de drogas e o PCC, por sua vez, começou a negociar a compra de armas para o CV.

A principal rota é a Via Dutra. Balanço de apreensões da Polícia Rodoviária Federal (PRF) comprova os expressivos carregamentos. Em 2005, a PRF não apreendeu sequer uma pedra de crack ao longo da Via Dutra. Em 2006, foram 8 quilos. Este ano, já chegou a 65 quilos.

Fonte:

http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI2083499-EI306,00.html

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